A perna curta não impede que a mentira (ou a meia verdade) apareça na política brasileira. Algumas afirmações são repetidas de modo tão sufocante que, às vezes, simplesmente questioná-las pode parecer um erro moral. Mas não se preocupe: quando se trata de nossos direitos, a pulga atrás da orelha é o menor dos problemas.
Listamos as principais mentiras ou meias verdades sobres as reformas do governo Temer que têm ganhado visibilidade nos debates entre as brasileiras e os brasileiros.
1) Terceirização gera empregos
O Governo Federal utilizou o argumento da criação de empregos e aumento da competitividade como escudo para a aprovação de um dos projetos mais temidos das últimas décadas no Brasil: a terceirização irrestrita das atividades de uma empresa. Já sancionada por Michel Temer, a nova lei autoriza a terceirização da atividade-fim da organização. A partir de agora, é possível haver universidades sem professores, hospitais sem médicos, etc. Esses profissionais podem ser terceirizados.
Para comentar o discurso governamental, convidamos a professora doutora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), coordenadora do Grupo Trabalho e Sociedade da universidade e estudiosa dos temas terceirização, trabalho e desigualdade, Maria Aparecida da Cruz Bridi. Para ela, o que está em jogo é uma série de direitos conquistados com muita luta pelos trabalhadores.
“Não há estudos empíricos que provem isso [terceirizar gera emprego]. O que os estudos demonstram é justamente que os empregos terceirizados são mais precarizados. Os salários são mais baixos, a rotatividade que já é alta no Brasil, para os terceirizados é maior ainda. Pois se trata de uma mão de obra mais facilmente descartável. Chega a ser infantil ou má-fé mesmo acreditar que o empresariado vai contratar mais porque eles podem demitir com maior facilidade”, aponta Maria Aparecida.
2) A Previdência Social tem um rombo insustentável e precisa ser reformada
Apesar de amplamente propagada, a existência de um rombo na Previdência Social não é consenso entre especialistas da área. Uma das entidades defensoras de que a área não apresenta déficit é a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Anfip). No estudo Desmistificando o Déficit da Previdência, a entidade relembra que a Previdência Social faz parte do sistema de Seguridade Social, composto também pela Saúde e pela Assistência Social, aspecto frequentemente ignorado. O grupo de auditores também denuncia que os defensores da reforma ignoram que o orçamento da Seguridade também é integrado por contribuições sociais, tais quais Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e PIS/PASEP.
O superávit da Seguridade Social foi tema de uma importante pesquisa da professora e pesquisadora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil. A docente tem sido convidada a palestrar sobre o tema em todo o país para falar sobre a sua tese de doutorado, intitulada A política fiscal e a falsa crise da Seguridade Social brasileira. Ela chegou à conclusão, assim como a Anfip, de que a conta do rombo da previdência não se comprova na prática. Denise ainda critica a compreensão de que a Previdência é apenas um problema fiscal, e não uma política social que também estimula a economia, gera empregos, dinamiza a produção e multiplica renda.
3) Terceirização beneficia as trabalhadoras e os trabalhadores
Estudos comprovam que os terceirizados brasileiros recebem cerca de 25% menos, trabalham 3 horas a mais e são expostos a condições de trabalho mais precárias. Além disso, trabalhadores terceirizados têm vínculos mais frágeis, o que resulta em duas vezes mais rotatividade em comparação com contratados diretos, ainda de acordo com o estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Não se trata, portanto, de uma “modernização” das leis trabalhistas, e sim da retirada de direitos históricos que garantem mais proteção social e dignidade às(aos) trabalhadoras(es).
4) Reforma da Previdência vai equalizar direitos das mulheres e dos homens
Nove entre 10 profissionais da Psicologia são mulheres. As desigualdades de gênero não podem ser ignoradas na hora da análise das condições de trabalho e vida das psicólogas. Se aprovadas, as novas regras da previdência não vão considerar esse cenário.
A pesquisa “Mulheres e Trabalho” divulgada pelo Ministério do Trabalho mostrou que as mulheres dedicam 25,3 horas semanais às obrigações domésticas, enquanto para os homens a média é de 10 horas.
As regras atuais da Previdência Social (fator 85/95), mesmo com defeitos, ainda levam em consideração as desigualdades de gênero em relação à dupla jornada de trabalho delas. Sob o argumento de vetar “privilégios” às mulheres e garantir “direitos iguais” entre os gêneros, o Governo Federal e seus aliados propõem a equiparação da idade mínima de aposentadoria para ambos os sexos em 65 anos. Esquecem das cerca de 15 horas semanais que elas dedicam a mais que eles para o trabalho doméstico, essencial para a manutenção da vida em sociedade e do próprio mercado de trabalho.
5) Direitos trabalhistas quebram empresas
“A Justiça do Trabalho nem deveria existir”, declarou o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), no mês passado. Essa declaração, verdadeiro ataque a instituições que prezam (ou pelo menos deveriam prezar) pelos direitos de quem trabalha, pode ser compreendida como parte de um projeto de fragilização das relações trabalhistas no país. Esse cenário tende a se agravar com a aprovação da terceirização irrestrita das atividades de uma empresa. A justificativa da base de Temer é de que o “excesso” de garantias trabalhistas é responsável por quebrar as empresas.
A professora Maria Aparecida da Cruz Bridi rebate esse discurso. “Elas [as empresas] vão à falência porque estão no jogo competitivo do mercado capitalista de tendência monopolista. Os deputados esquecem de uma regrinha básica dentro do capitalismo, que é o fato de que neste sistema não há espaço para todos. Atribuir [essa culpa] ao direito do trabalho é mais um discurso fácil e que não se sustenta pela pesquisa empírica”, contesta.
A socióloga alerta que a responsabilidade pelo desemprego é do desmonte de setores produtivos, recuo de determinadas políticas econômicas e de programas de infraestrutura geradores de emprego. Além disso, ela ressalta que a combinação da crise econômica mundial com a crise política que se estabeleceu com a destituição de Dilma Rousseff tem sua parcela de culpa na geração do desemprego.
6) O negociado sobre o legislado dá mais autonomia aos trabalhadores
A Reforma Trabalhista tem objetivos específicos: reduzir direitos dos trabalhadores e, dessa forma, diminuir os riscos e os custos das empresas, aumentando suas margens de lucro. Para alcançar a meta, o projeto defende que a negociação entre patrões e empregados valham mais que a própria legislação. As regras atuais só permitem isso nos casos em que a negociação garanta direitos a mais ao trabalhador. Mas o cenário desenhado pela reforma é bem diferente: se uma empresa tem a possibilidade de aumentar suas margens de lucro negociando salários menores e piores condições de trabalho, por quais motivo faria o contrário?
Especialistas defendem que uma negociação mais justa só seria possível com igualdade de poder entre os negociadores, algo que não é realidade no Brasil. Além disso, em um cenário de crise econômica e condições de vida precárias, a trabalhadoras e o trabalhadores podem se submeter à redução de direitos para preservar o emprego.