O PDC 234/11, nomeado pela mídia como “projeto da Cura Gay”, tem propagado a ideia errônea de que o homossexualidade é uma patologia. No artigo a seguir o psicólogo Cesar Fernandes* comenta o projeto a partir de texto publicado recentemente no jornal Gazeta do Povo.
Ao contrário do que apresentou a psicóloga Marisa Lobo no texto “Direito de Mudar” publicado pela Gazeta do Povo em 07/05/2013, o PDC 234/11 – nomeado pela mídia como “projeto da Cura Gay” – não trata da liberdade pessoal e profissional do psicólogo nem do direito das pessoas em procurarem os serviços psicológicos com sofrimento psíquico por serem gays. Fosse assim, não seríamos contrários ao PDC. O projeto prevê sustar o parágrafo do Artigo 3º e o Artigo 4º da Resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia, que regula que “ Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.” e que “Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”.
O próprio Código de Ética profissional do psicólogo garante que ele deva acolher pessoas em sofrimento psíquico sem fazer distinção de classe, raça, gênero, orientação sexual. O psicólogo deve compreender que a identidade de gênero e orientação sexual são questões que constroem a própria identidade do sujeito, devendo ser entendida como tal (e não como um desvio, uma disfunção). É preciso reconhecer que não existe orientação sexual “correta”, “certa”, “adequada”, assim como não existe “cor de pele” correta ou “religião” adequada à identidade dos sujeitos. Neste sentido, simplesmente propagandear uma possível terapia de “reversão” de orientação sexual legitima a concepção de que determinada orientação sexual está ‘errada’, que pode e precisa ser mudada. Se esta é uma vontade individual do sujeito que procura a psicoterapia em sofrimento, o psicólogo deve auxiliar a compreender como e porque é alimentado este mal estar.
A homossexualidade para o campo da Psicologia científica não é considerada uma doença, o que não garante que ela não possa gerar sofrimento e angustia. Heterossexuais também se angustiam (e muito) por conta de questões vinculadas à vivência sexual. Também não quer dizer que a Igreja não possa ter suas próprias concepções sobre o tema. É legítimo que tenha, prezamos pela liberdade religiosa. No entanto o que a Resolução 1/99 do CFP busca garantir é que o psicólogo não contribua – enquanto profissional – para a patologização de algo que não é patológico, agindo de forma coerciva e opressora. Também orienta o psicólogo a não se manifestar publicamente de modo a reforçar os preconceitos existentes em relação às pessoas LGBT. É um cuidado, não um “cerceamento de direitos”.
Se a intenção dos psicólogos que defendem o PDC 234/11 não é a promoção da intolerância e a exclusão através de sua prática terapêutica, peço que reflitam nos perigos que podem ser causados ao sustarem-se artigos aparentemente tão óbvios da Resolução 1/99 CFP. Se psicólogos tiverem direito à se posicionarem publicamente reforçando preconceitos, isto pode engrossar um movimento muito reacionário contra os direitos humanos que hoje se alimenta de posicionamentos técnicos de profissionais para legitimar a violência. A Psicologia deve prestar-se à liberdade e à emancipação, não à patologização e opressão.
*Cesar Fernandes é psicólogo e constrói o GT de Questões LGBT do Sindicato dos Psicólogos do Paraná