Originalmente proposto pelo senador José Serra (PSDB-SP), o projeto que aumenta o tempo de internação do adolescente em conflito com a lei também traz retrocessos para o campo da saúde mental. O texto modifica o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Confira as mudanças

A tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993, que sugere a redução da maioridade penal para 16 anos no Brasil, levantou grandes movimentos contrários à medida no país. Porém, um acordo político entre Governo e oposição de direita engavetou a PEC e está acelerando a tramitação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 333/2015, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP). O aspecto mais noticiado do PLS 333 é que ele propõe o aumento no tempo de internação para adolescentes que cometem atos infracionais, mas há mudanças para além disso. O projeto de José Serra altera severamente o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Sistema Nacional de Socioeducação (Sinase) e a Lei 12.462/2011, que versa sobre licitações. Aprovado no Senado Federal no dia 14 de julho, o projeto agora tramita na Câmara dos Deputados, onde ganhou um novo número: 2517/2015.
O Sindypsi PR listou as principais mudanças previstas pelo PL 2517/2015. Convidamos a advogada Camila Fronza de Camargo, o psicólogo Leandro Müller (CRP 08/10236) e o psicólogo e assessor sindical do Sindypsi PR, Cesar Fernandes (CRP 08/16715), todos do movimento Paraná Contra a Redução da Maioridade Penal, para comentar as alterações que estão em vias de acontecer em nossa legislação. As mudanças que o projeto prevê para a lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo são especialmente preocupantes para os interessados no debate sobre saúde mental. Confira:
– Código Penal
O PL 2517/2015 agrava a pena para a pessoa adulta que tiver cometido crimes “com a participação de um menor de 18 anos”. O tempo de condenação pode até dobrar. Para a advogada Camila Fronza de Camargo, a medida não vai à raiz do problema. “Por que o adolescente chega a se envolver com o crime? Para se manter economicamente de uma maneira que ele não consegue dentro do seu meio, e é assim com os adultos também. Mais uma vez, temos uma política pública de segurança no Brasil tratando indevidamente um problema que tem origem social”, lamenta a advogada.
– Estatuto da Criança e do Adolescente
O autor do ato infracional poderá cumprir até 10 anos de internação caso “tenha praticado, mediante violência ou grave ameaça, conduta descrita na legislação como crime hediondo ou homicídio doloso”. Atualmente, o período máximo de internação é de três anos. Ele será internado em regime especial de atendimento socioeducativo e estará automaticamente separado dos demais internos.
Camila ressalta preocupação com essa condução, já que a definição de regime especial de atendimento socioeducativo é nebulosa. Ela faz uma comparação com o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que consiste no isolamento de adultos com restrição de banhos de sol e visitas familiares, medidas que, de acordo com Camila, não teriam nada de ressocialização. Outra ponto crítico é a inexistência dos espaços em que seriam abrigados esses adolescentes. “Então a gente tá promovendo uma lei que sequer está acompanhada de estrutura para dar conta dessas alterações”, questiona.
– Lei 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC)
Criada no período anterior à Copa do Mundo de 2014, esta legislação instala o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, um conjunto de normas com o objetivo de estabelecer um ambiente de licitações mais ágil. O PL 2517/2015 inclui a construção de “alas específicas do regime especial de atendimento socioeducativo” neste Regime de contratação.
“A construção desses presídios que vão receber os adolescentes em regime especial de atendimento socioeducativo será feita de uma maneira muito mais direta, sem tantas regras, sem tanto controle do poder público. Será tudo feito por contratação simplificada. Mais uma vez alguém sai ganhando muito dinheiro com isso”, denuncia Camila.
– Lei 12.594/2012 (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo)
O art. 6º do PL 2517/2015 modifica severamente a maneira como se trata a pessoa com transtorno mental. Se diagnosticado com transtorno mental, o adolescente em regime especial de atendimento socioeducativo poderá ficar preso até os 28 anos. A reavaliação de cada interno será feita a cada seis meses.
Para o psicólogo Leandro Müller (CRP 08/10236), essa medida transforma em doença uma questão que muitas vezes tem origem social. “Corre-se o risco de que, com isso, tenhamos adolescentes sendo colocados em manicômios judiciários juvenis a serem criados, com a possibilidade de permanência prolongada”, aponta.
Já para o psicólogo e assessor sindical do Sindypsi PR, Cesar Fernandes (CRP 08/16715), o PL 2517 não altera de maneira alguma a lógica manicomial de lidar com a saúde mental. “O Estado deve se responsabilizar pelos jovens com transtornos mentais que cometem atos infracionais, o que não significa mantê-los compulsoriamente internados até os 28 anos. É mais uma grave demonstração da negligência do Estado na garantia de dignidade e direitos humanos dessas pessoas”, defende.
Mudanças sérias, mas debates rasos

O engavetamento da PEC 171/93 e a rápida tramitação do PL 2517/2015 preocupa a advogada Camila Fronza. “É ainda mais perigoso porque, por se tratar de Projeto de Lei, e não uma PEC, a sua aprovação se dá de uma maneira muito mais rápida pois não são promovidos tantos debates com a sociedade civil. Essa proposta fica mais restrita aos próprios parlamentares”, afirma.
Ainda de acordo com a advogada, é preciso reunir trabalhadoras/es das áreas de Serviço Social, Psicologia, Direito e Sociologia para debater mais profundamente as mudanças provocadas pelo projeto. “O que se quer com esse projeto, na verdade, é uma punição muito mais severa “disfraçada”, porque já sabemos que prisão não ressocializa ninguém, não insere ninguém na sociedade de novo, muito pelo contrário. Essa é mais uma política pública de segurança pública à brasileira: você trata um problema social a marretadas e machadas por força do direito penal”, desabafa.
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