No dia 16 de setembro foi realizada, no auditório da Faculdade Dom Bosco, uma palestra sobre “Psicologia e política: compromissos com o mundo contemporâneo”. O psicólogo Thiago Bagatin esteve presente no encontro, ministrando o debate para cerca de 100 estudantes.
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Confira abaixo o artigo produzido por Thiago Bagatin sobre o tema apresentado em sua palestra:
Participação de Psicólogos na Política
*Thiago Bagatin é Psicólogo e candidato a vereador em Curitiba (PSOL).Mais informações: www.thiagobagatin.com.br
Em ano de eleição somos bombardeados pelas propagandas eleitorais e, por mais que neguemos o fato, as discussões políticas batem a nossa porta e somos obrigados a escolher em quem votar. Uns prometem asfaltos, outros vagas nas creches, tem até aqueles que não prometem nada, mas pagam R$ 50,00 para colocarmos uma placa no jardim de casa ou um adesivo no vidro traseiro do carro. Temos a sensação que política é isso: ocorre a cada dois anos, atrasa o início da novela e serve apenas para acomodar interesses individuais – seja do candidato e/ou do eleitor.
No entanto, vale lembrar que a etimologia da palavra “política” demonstra um significado completamente inverso: o termo tem origem no grego politiké, uma derivação de polis, que designa o que é público, ou seja, aquilo que é coletivo. Ao contrário do que pensamos atualmente – que a política serve apenas para satisfazer interesses individuais – ela foi originalmente empregada para designar o espaço público e não o privado.
Segundo Aristóteles (384 a.C–322 a.C), em uma de suas frases mais célebres, “o homem é um animal político” na medida em que se realiza plenamente no âmbito da polis. As virtudes dos seres humanos se expressam conforme os valores de um determinado coletivo, ou seja, o que eu desejo como bom deve equivaler àquilo que é bom para a sociedade. O bem comum está acima dos desejos individuais e encontra-se na democratização da felicidade, na justiça e no bem viver da sociedade política. Assim, participar da política significa participar da vida comum, da construção das regras de organização dessa vida e dos objetivos da sociedade.
Numa sociedade articulada em torno da democracia representativa, participar da política significa intervir ativamente nos processos de decisões e pautar o poder público a partir das organizações sociais, como sindicatos, associações de moradores, conselhos e movimentos sociais. Nesse sentido, fortalecer as organizações da sociedade civil que reivindicam avanços em determinadas legislações, mudanças culturais e questionam as apropriações individuais de bens públicos faz parte do processo político. Em outras palavras, o conceito de participação política na sociedade moderna tem seu significado fortemente vinculado à conquista dos direitos de cidadania.
Um dos elementos que dificulta (e até impede) a nossa participação em organizações sociais, e consequentemente na política, diz respeito à descrença na efetividade das ações coletivas. É comum questionarmos ou sermos questionados sobre a real possibilidade de conquistas. Por exemplo, os defensores e ativistas da redução da jornada de trabalho de psicólogos para 30 horas certamente já ouviram indagações do tipo: “isso não vai dar em nada”, “vai cuidar da sua vida”, ou coisas do gênero.
Cabe lembrar que durante o início da Revolução Industrial (séc.XVIII) a jornada de trabalho de um operário chegava a 80 horas semanais e com os processos reivindicatórios por melhores condições sociais, pouco a pouco, os trabalhadores conquistaram salários dignos, redução da jornada, repouso semanal e condições de higiene. Assim como as condições dignas de trabalho foram sendo conquistadas ao longo da história, também os direitos da mulher foram impressos em legislações a partir das mobilizações organizadas pela sociedade civil. A participação da mulher na vida política (na polis) brasileira passou a ser possível somente no final do séc. XIX, quando percebemos movimentos feministas eclodirem por todo o território nacional. Do mesmo modo, o fim da escravidão no Brasil não pode ser adequadamente compreendido sem levar em conta a resistência dos negros desde os quilombos até o movimento abolicionista.
Quanto às conquistas mais diretas para o campo da saúde mental, podemos citar a Luta Antimanicomial, que reivindica a desinstitucionalização do tratamento ao usuário desde os anos 80 e obteve sua mais expressiva conquista no ano de 2001 com a aprovação da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/01). É lógico que muita coisa ainda precisa avançar, mas não podemos negar que temos conquistas importantes e, nesse processo, a ação das organizações da sociedade civil foi fundamental. Em suma, a participação política ativa de setores da sociedade civil é capaz de pautar o poder público, combater as desigualdades e, enfim, mudar o rumo da história.
Atualmente, nós profissionais da Psicologia temos muitos motivos para reavivarmos o protagonismo das organizações sociais. Em nossa prática profissional nos deparamos com as nefastas consequências de uma sociedade baseada na medicalização, vemos o Ato Médico (Lei 7.703/06) ameaçar o princípio da integralidade no atendimento à saúde, sentimos na pele as consequências das terceirizações e o descaso da falta de investimentos públicos nos serviços essenciais. Temos ainda a pauta das 30 horas que precisa, mais do que nunca, do fortalecimento das nossas mobilizações.
É com organização e protagonismo social que obteremos conquistas, pois política pressupõe participação social e não acomodação de interesses individuais. Apesar do pensamento dominante, política é conquista de direitos e não um processo eleitoral que ocorre a cada dois anos, atrasa o início da novela e serve apenas para apropriação individual do bem público. Portanto, nesse ano de eleição, fiquemos atentos às propostas e concepções políticas que os partidos e candidatos apresentam. Desconfiemos principalmente daqueles que oferecem R$ 50,00 para colocarmos adesivos de carro ou propagandas no jardim de casa. Retomemos o significado original do termo “política”, que enuncia as finalidades coletivas, o bem público e a vida comum e não a mera acomodação de interesses mesquinhos e individualistas.
Thiago Bagatin – 50.123 – é psicólogo, candidato a vereador em Curitiba, professor e atua na defensa dos Direitos Humanos. Mais informações: www.thiagobagatin.com.br